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Brasil

'Pai tá on': pesquisa descobre machos de aranhas que 'adotam' e protegem os filhotes dos outros

13 ABR 2021Por Emilly Constanci18h:06

O primeiro caso conhecido de uma aranha de vida solitária onde o macho cuida dos filhotes (e inclusive “adota” aqueles que não eram seus) foi descrito e observado por pesquisadores das universidades do Estado de Minas Gerais (UEMG), Federal de Uberlândia (UFU) e Estadual de Campinas (Unicamp). Em artigo publicado recentemente na revista Ethology, a descoberta dos “papais super protetores” chama atenção para um comportamento muito raro em aranhas.

A espécie alvo do estudo, realizado com o apoio da Fapesp, é restrita à região neotropical e tem uma ocorrência bem ampla pelo Brasil. A aranha, chamada de Manogea porracea, já vinha sendo investigada pelo biólogo coordenador do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Ecologia e Evolução (NEPEE) na UEMG, Rafael Rios Moura, desde 2012. Ele observou que os machos ocupavam a posição da fêmea na teia depois da morte da parceira e assumiam o papel de cuidar dos filhos.

“Tive a surpresa de ver o macho dessa aranha sozinho na teia com os filhotes. Foi então que a gente começou a investigar algumas razões para isso e viu que, em média, as fêmeas tendem a morrer no final da estação reprodutiva antes do que os machos”, conta. A presença do pai era determinante para a sobrevivência da prole, dado que ele tinha cuidados como reconstruir fios de teias rompidos com o tempo ou até remover a umidade das ootecas (onde os ovos das aranhas ficam embrulhados em seda).

Mas, às vezes, a dedicação do papai exigia o uso da força. Aranhas de outras espécies invadiam a teia para roubar presas da Manogea e, quando tinham oportunidade, comiam até os ovos que dariam origem aos filhotes. No meio desse processo, o macho protegia seus herdeiros e chegava até a brigar de forma agressiva com o invasor, podendo morrer ou matá-lo. A ação despertou curiosidade, já que aranhas são animais que não costumam acompanhar o desenvolvimento dos filhotes.

Como a maioria das espécies apenas instala os ovos em locais seguros e não retorna para os cuidados, os pesquisadores decidiram testar o comportamento dos machos tão cuidadosos da Manogea diante de filhotes adotivos, retirados das teias de outros casais da mesma espécie. “O macho poderia matar os ovos que não são dele ou ignorar e simplesmente não gastar energia protegendo-os contra predadores”, define o biólogo Rafael Rios Moura.

Surpreendentemente, o papai aranha acolheu e protegeu a nova prole, assim como fazia com seus filhotes legítimos. Com os experimentos realizados em laboratório, simulando a situação encontrada na natureza, foi possível constatar que a ausência dos pais diminuía muito a sobrevivência dos filhotes, mas a presença apenas do macho com os predadores já era suficiente para aumentar essa chance de sucesso dos pequenos. “Isso significa que, de fato, o macho está protegendo”, conclui o pesquisador.

A raridade da descoberta também se relaciona com o papel dos machos entre as aranhas. Comumente menores do que as fêmeas, com o amadurecimento antecipado pela reprodução e até alvo da agressividade das “esposas” (que podem até matá-los durante o processo de corte e cópula), os papais raramente são capazes de viver para acompanhar a evolução dos filhotes. Além disso, a maioria dos machos de aranhas não se alimenta durante a fase adulta, mais um motivo para não terem uma longevidade tão longa quanto a das fêmeas para exercerem o cuidado dos filhos.

"O macho constrói a teia acima das fêmeas, fornece algum alimento para ela, vive mais tempo e cuida dos filhotes. Tudo isso é raríssimo e são várias particularidades que mostram como essa aranha quebra a regra em comparação com as outras."

— Rafael Rios Moura (biólogo)

Os próximos passos de estudo pretendem, agora, encontrar espécies próximas da Manogea porracea e identificar se realizam comportamentos parecidos. Com uma biblioteca de microssatélites, os pesquisadores pretendem ainda fazer o teste de paternidade com as aranhas e identificar o quão comum é esse processo de “adoção” de outros filhotes na natureza.

“Outro ponto fantástico que a gente ainda está descrevendo é que o macho dessa espécie parece oferecer presas para a fêmea. A gente não sabe se ele está descartando algo que já consumiu e a fêmea se aproveita disso ou se, de fato, é um presente nupcial”, declara o pesquisador quanto às questões futuras a serem respondidas.

Em defesa das aranhas

Das mais 49 mil espécies de aranhas descritas, 180 apenas oferecem algum risco para a saúde humana. Isso representa menos de 0,4% do total! A estatística espanta, especialmente se comparada à proporção de pessoas que temem esses animais, porém o alerta de contato deveria ser ativado para apenas algumas espécies que podem causar alguma lesão grave, como a armadeira, a viúva-negra e a aranha marrom. Protegê-las e zelar pela vida delas se faz cada vez mais necessário.

Aranhas papa-moscas, por exemplo, equilibram a quantidade de insetos de casa e atuam como reguladoras do ecossistema contra mosquitos, pernilongos, moscas e muriçocas

Para tentar reverter esse cenário de aversão às aranhas e aumentar o interesse pela ciência, o pesquisador Rafael Rios Moura realiza trabalhos de educação ambiental e divulgação científica com o projeto “Rios de Ciência” nas redes sociais. Nessa ação, um de seus alunos está produzindo materiais virtuais inclusive para ajudar professores a ensinar a diversidade de formas, cores e comportamentos, bem como a importância ecológica das aranhas, no ensino básico

No canal do YouTube, ele ainda entrevista pesquisadores. “A ideia é mostrar que essas pessoas são humanas, pessoas que encontramos na padaria, na rua passeando com o cachorro, na academia... E falar de forma descontraída o que é a ciência e o que é a pesquisa”, conta o biólogo.

G1

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