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Filho, sobrinho e irmão de 3 traficantes mortos, jovem celebra diploma: 'É preto, favelado e professor'

Jovem comemorou nas redes sociais em tom de desabafo, 'curtido' por mais de 50 mil pessoas e compartilhado mais de 10 mil vezes. 'Sou um sobrevivente', disse em entrevista ao G1.

20 SET 2018Por Redação/TR11h:21

Herbert Vinícius nasceu em 1993, em Vigário Geral. Naquele ano, a comunidade da Zona Norte do Rio virou notícia no mundo por conta de uma das maiores chacinas ocorridas na história do Rio de Janeiro: 21 executados. A violência seguiu presente em sua vida: perdeu pai, tio e irmão, todos envolvidos com o tráfico de drogas e assassinados. Mas, com muito estudo e dedicação, seu rumo foi outro. No último dia 10, celebrou orgulhoso um feito inédito na família: o diploma universitário.

O mais novo professor de educação física comemorou nas redes sociais em tom de desabafo. Em menos de uma semana, a postagem foi curtida por 50 mil pessoas e compartilhada mais de 10 mil vezes.

Ao lado da foto em que veste a beca e exibe o canudo, escreveu:

“Filho, sobrinho e irmão de 3 traficantes mortos. Algumas poucas pessoas desejaram que eu tivesse o mesmo fim, porém, a história foi diferente. Vou exibir isso aqui em todo lugar mesmo, porque eu lutei pra conquistar. É preto, favelado e professor! Tô formado. #Edfisica”.

Em entrevista ao G1, Vinicius conta que mal conheceu o pai, morto quando ele era bem pequeno.

"Cresci sem ele. Tudo o que eu sei sobre meu pai é o que me contam. É o que minha avó me conta, o que minha mãe me conta e o que vejo por fotos, só isso", diz.

Do tio, tem poucas lembranças. Recorda-se mais do irmão, Giovane: era um menino tranquilo e estudioso, até que entrou para o tráfico e morreu, aos 15 anos – Vinicius tinha 18.

"É aquilo, onde a gente mora, onde a gente vive, o tempo todo você convive com influências boas e ruins, e se você tiver uma cabeça fraca em algum momento, você desvia do caminho. Foi o que aconteceu com ele. Não dava nenhum indício de que ia fazer isso, de que ia seguir esse caminho, mas, de repente, sem a gente esperar, ele foi. Desapareceu lá e entrou nessa vida que a gente descobriu", conta Vinicius, sobre o irmão.

Família, esporte e estudo

A força maior para seguir pelo caminho dos estudos veio de dentro de casa, onde foi criado pela madrinha e pela mãe.

“Não fui criado por marginais. Fui criado por pessoas que me passavam bons exemplos e diziam que a melhor forma de melhorar a vida eram os estudos. Eu tive uma boa base, educação. Só não tive dinheiro. Eu sei que para fazer tudo que quero, eu preciso estudar. ”

O esporte também foi fundamental. Competidor de atletismo desde criança, chegou a treinar no Vasco e sonhava em ir para os Jogos Olímpicos.

“Eu tinha um sonho de todo atleta, que é chegar a uma Olimpíada. Quando, em 2016, tudo começou a desandar, em investimento e desempenho, eu abandonei o esporte só para estudar."

Apesar do fim de um sonho, o esporte proporcionou outro: como atleta, conseguiu bolsa na Universidade Salgado de Oliveira, em Niterói, onde acaba de se formar. Uma arma a mais para lutar contra as adversidades da vida e, como ele próprio diz, sobreviver.

“Ser um jovem negro não é fácil. A polícia me aborda como não faria com um jovem branco. Já fui retirado de dentro de ônibus. Se você entra no shopping, segurança segue, passa radinho. Você chega perto de alguém na rua, seguram a bolsa, mudam de calçada. Eu já estou acostumado, não deveria ser normal, mas já acostumei. Mas não fico calado, de forma alguma. É complicado, difícil... Mas eu me considero um sobrevivente.”

Vinicius competindo pela universidade no salto em distância — Foto: Arquivo pessoal

Atleta, poeta e militante

O diploma de educador físico é o começo de uma nova vida profissional, mas Vinicius também encontrou outra paixão. A lacuna deixada pelo esporte foi preenchida com poesia. "Fiquei meio perdido [por abandonar as competições], quis achar algo para preencher esse vazio”, conta.

Pela da internet, se inscreveu em diversos concursos e começou a divulgar seu trabalho. Seu texto mais lido foi sobre a “cura gay”, expressão que ele critica com veemência.

“Ser negro, LGBT, morar na favela, são questões que dificultam um pouco a convivência, mas a gente aprende a lidar. Morar na favela não é fácil, mas crescer sendo pobre, negro, tem tanta dificuldade que quando vem mais uma você só pode enfrentar. Qualquer uma, seja sexual, seja racial, tem dia que abate, entristece, mas tem que levantar a cabeça e seguir. ”

'Também perdi vários amigos'

Na rede social, a maior parte dos comentários foi de apoio à formatura de Vinicius. Mas houve também que o acusasse de se vitimizar. Na segunda-feira (17), ele resolveu fazer uma nova postagem no Twitter, para se defender.

“Eu não escrevi aquilo porque carrego essa história comigo o tempo inteiro. Mas além de ter perdido pessoas da família, também perdi vários amigos. Vi várias pessoas morrendo, se perdendo em drogas, que estão presas. No meio de tudo isso, parei para refletir e consegui atingir outra coisa, fazer diferente. Se eu olhar todos os meus amigos que cresceram comigo, não tem nenhum que se formou na faculdade. Claro, alguns vivem honestamente, têm trabalho digno. Mas, depois de tudo que eu vi da minha infância para cá, achei uma vitória muito grande a formatura”, reflete.

Novas metas

Formado, agora Vinicius quer dar aulas de educação física em colégios. Conseguir o emprego é a primeira meta. A segunda é dar oportunidade para outras crianças terem no esporte uma oportunidade de desenvolvimento.

"Minha meta sempre foi descobrir talentos no esporte. Em especial, no atletismo. Se puder descobrir dentro da escola, ótimo."

 

Vinicius foi atleta do Vasco da Gama, seu time do coração — Foto: Arquivo pessoal

Fonte: G1 RJ - Lívia Torres e Jorge Soares

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