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Artigo

Tranque a porta do cemitério e não as entradas da cidade: cerimônias, ritos e lendas em Coxim

Josimar Miranda é professor, formado em Letras, com especialização em metodologia e ensino de História. Membro fundador e primeiro presidente da Academia de Letras do Brasil Seccional Coxim/MS

13 MAI 2020Por Redação09h:25

Parece hilário, o que vou lhes relatar hoje nesse texto, mas não é. Ainda há poucos dias estava eu tocando um dedo de prosa com um amigo que é um líder religioso em Coxim quando um grande amigo de infância apareceu. Fazia um bom tempo que eu não o via.

Parei tudo o que estava fazendo para atendê-lo. Conversamos sobre coisas encantadoras, mas a que mais chamou a minha atenção foi, sem dúvida, sobre a sua teoria das “Portas abertas dos cemitérios”. Dizia o amigo que já andou bastante por esse “mundão de meu Deus” e que já morou em muitos municípios do Brasil.

Observando, viu que todos eles têm uma característica em comum: os seus cemitérios permanecem de portas fechadas. Observou também que nesses municípios são raras as mortes e o índice é baixíssimo. Ele ainda deu a seguinte explicação:

– O espírito da morte quando chega à uma cidade, a primeira coisa que faz é ir até o cemitério. Quando vê que as portas estão fechadas entende que não deve matar ninguém, pois não tem legítima autorização para tal. Mas quando as portas estão abertas aí o bicho pega, pois não tem nenhum mecanismo que o impeça de entrar [...]. Segundo ele, o mundo físico interfere no mundo espiritual e em contrapartida o espiritual interfere também no mundo físico, é uma via de mão dupla.

Dizia ele: Josimar do céu, todos os cemitérios de Coxim permanecem dia e noite com as portas abertas, tem alguns que inclusive nem porta tem, o resultado disso é a quantidade de morte que acontece aqui. A demanda é tanta que até uma nova funerária já abriu na cidade. Pelo amor de Deus, tem que fechar as portas do cemitério! Aqui morre gente de todo tipo.

– Viu a quantidade de assassinatos, suicídios, acidentes, doenças e enfermidades, ataques fulminantes, raios, choques, afogamentos, desastres naturais [...] é gente morrendo na rua, na avenida, nas BRs, em casa, na boate, nos buracos, nas árvores, nos rios, no hospital e até em igreja [...] meu filho, a coisa tá preta! Vi que eles estão trancando as entradas de Coxim, mas não estão fechando as portas dos cemitérios! Se não fecharem, um dia até uma peste pode chegar [...].

Ia olhando para os seus dedos da mão esquerda e enumerando os cemitérios de Coxim. Ele dizia com tanta convicção que confesso que eu já estava ficando tanto quanto assustado. O religioso que estava comigo, parecia não acreditar na “lenda urbana” do meu amigo. O cético do religioso a todo o momento dava uma risadinha e olhava pra mim caçoando do rapaz [...].

Quando o COVID 19 chegou ao município, foi impossível não se lembrar “do cabra”, fiquei arrepiado!!! Pensei logo, que filho da mãe!

Gente, mesmo que a gente não concorde, temos que respeitar a cultura de cada pessoa e de cada povo. Todo mundo tem o direito de acreditar no que quiser. Temos liberdade de pensamento e de expressão, ora essas!

Lembrei-me de um fato que aconteceu aqui em Coxim “isturdia” e que pra mim foi algo muito interessante: tempos atrás o meu amigo religioso me chamou pra ir num evento cristão. Durante o evento houve um ritual simbólico em que o prefeito do município entregava as “chaves da cidade” aos líderes cristãos de Coxim. Foi uma cerimônia pública interessante, um ato simbólico e profético. Os milhares de pessoas presentes, no clímax do ato, davam brados de júbilo dizendo: Agora a chave da cidade é nossa!!!

O prefeito e o líder dos religiosos na câmara, ambos diante das câmeras faziam poses, caras e bocas, tudo como manda o protocolo. Os dois políticos agiam naquele momento como “anjos de Deus”, ajudadores e abençoadores da igreja, pois a chave nas mãos da igreja era um sinal de autoridade, benção, salvação e prosperidade.

Pouco tempo depois esses mesmos líderes religiosos que receberam as “chaves da cidade” estavam proibidos, por força de lei, de abrirem as portas de suas igrejas e de prestarem cultos. Pasmem! O decreto-lei baixado para tal fora elaborado pelo prefeito, sob a orientação do vereador das poses (agora promovido secretário municipal). Os mesmos, esses dois cidadãos, colocaram suas máscaras, fizeram poses, e diante das câmeras fizeram questão dessa vez de “tirarem” a chave da cidade das mãos dos líderes da referida associação.

Só que os associados cristãos, não hesitaram, nem temeram e mesmo sem as famosas e emblemáticas “chaves da cidade”, em praça pública davam seus brados e “tocavam a trombeta” reivindicando seu direito constitucional de prestarem culto ao seu Deus. Com coragem enchiam seus peitos de ar para declararem que “as portas do inferno” não prevaleceriam contra a igreja e que “a porta” que Deus abre ninguém fecha!

Como a minha mente é fértil, lembrei que no paganismo também há um ritual da entrega de chaves, ele acontece nos carnavais e é tradição na maioria das cidades brasileiras

Uma tradição que veio da Grécia, e se refere ao rei Momo, deus do sarcasmo, da culpa e do delírio. O que pouca gente sabe é que Momo na verdade era uma deusa. Essa majestade era representada usando uma máscara e balançando o seu guizo. Às vezes segurando uma máscara em sua mão e uma boneca na outra e por ter aprontado todas foi expulsa do Olimpo, a morada dos deuses.

No Brasil graças a sociedade patriarcal e a relação de poder que envolve a personagem, preferiram uma personalidade masculina para ser representada no carnaval.

Em Coxim o saudoso e antigo chefe da divisão de cultura do município, professor Henrique Spengler, quando criou a efervescente e cultural “Folia Monçoeira”, fazia o prefeito entregar as chaves da cidade para o Rei Momo que permanecia com ela pendurada no pescoço durante os quatro dias de carnaval. E a folia acontecia, em nome da arte e da cultura coxinense [...].

Sou do tipo que valorizo o efeito contagiante da religião, da arte e da cultura. Sou do tipo também que acredito em atos proféticos, em símbolos, ritos e lendas. Sendo assim, pergunto a você amigo, independente de que sejas religioso ou cético:

As chaves da cidade existem de fato? E o molho de chaves das portas dos cemitérios de Coxim, com quem estará?

Quem souber do paradeiro de ambas me diga aí nos comentários, pois acho que não custa nada a gente (pelo menos nesse último ano dessa gestão), apertar um botão mágico e que possa fechar as portas do cemitério!

Mamma dentro

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