Mãe guerreira que faz parte da tropa de elite da Polícia Militar-MS
14 MAI 2017 • POR Paulo Ricardo • 11h24O Diário X entrevistou Eliane Lima Dias, 40 anos, que é policial militar das Rondas Ostensivas Táticas do Interior (ROTAI) uma tropa de elite do Mato Grosso do Sul. É nas operações mais arriscadas da Polícia Militar que a ROTAI entra em ação. A tropa é preparada para as mais difíceis missões, como atender ocorrências de roubos a banco, sequestro, rebelião, tráfico de drogas, controle de distúrbios civis e outras situações de alto risco, como enfrentar bandidos fortemente armados e até negociar a liberação de reféns.
Eliane, apelidada carinhosamente pelos colegas de ‘Lili Carabina’, pois anda sempre com uma espingarda calibre 12, sendo responsável pela segurança da sua guarnição. Formada como soldada PM em 2003 e graduada a cabo em 2013. Divorciada, mãe de três filhos, sendo dois meninos de 7 e 10 anos e de uma filha de 24 anos, Driele Dias de Lima que tinha o sonho de ser veterinária, mas resolveu seguir a profissão da mãe.
Confira abaixo a entrevista com a super mãe, a cabo Eliane:
Diário X – Como começou a sua carreira na Policia Militar de Mato Grosso do Sul?
Eliane - Eu entrei na Polícia Militar em 2003, fui fazer o curso de formação em Campo Grande, fiquei lá um mês aproximadamente e depois vim para Coxim terminar o curso. Eu e uma colega, fomos as primeiras mulheres da região norte de Mato Grosso do Sul, eu servindo em Coxim e ela em Rio Verde, mas a gente não tinha contato na época cada um trabalhava na sua cidade.
Diário X – Como era ser mãe e policial em 2003?
Eliane - Minha filha Driele era criança ainda, teve que ir morar com minha irmã lá em Alcinópolis para que eu pudesse terminar o curso. Passei por 'maus bocados', eu aqui no curso de formação sendo tratada como homem, tinha que fazer as mesmas coisas que os homens faziam e isso me desgastou bastante psicologicamente, muito preconceito, mas em todas as profissões eu creio que é assim. Driele ficou sem mãe durante praticamente um ano e eu envolvida só com o curso e ela lá com a minha irmã. Minha irmã foi mais que mãe para ela, sua madrinha. Foram muitos Dias das Mães fora de casa, muitos aniversários, muitas comemorações que eu não pude estar presente.
Diário X – Você tinha apoio da família?
Eliane - Ainda bem que temos uma família que sempre nos apoia muito, tudo aquilo que a gente decide fazer independente deles concordaram ou não gostarem ou não o apoio é incondicional. Meu pai e minha mãe, meus irmãos, nós somos muito unidos e a gente procura apoiar um ao outro mesmo não concordando ou gostando. O apoio da minha família é fator determinante.
Diário X – Como surgiu o interesse de participar de uma tropa de elite?
Eliane - Eu me casei com um soldado também da polícia militar em 2005 e fomos juntos fazer o curso da Força Nacional. Meu sonho era ser policial desde criança, eu queria trabalhar na rua, na Radiopatrulha (RP) mas para trabalhar em dois, uma mulher e um homem não é indicado por causa da nossa força física, jamais me deixariam trabalhar na RP e quando vi o uniforme camuflado, eu me apaixonei, era o meu sonho colocar aquele uniforme camuflado. A partir daí comecei fazer cursos na área, foi quando eu fiz um curso de Ações Táticas em São Gabriel do Oeste-MS e depois eu fiz Ações Táticas Avançadas. Na época o comandante era o Coronel Muniz e eu trabalhava no administrativo para variar, porque a mulher tinha por regra trabalhar no administrativo, mas eu sempre brigando, pois eu queria ir trabalhar na ROTAI e acho que de tanto ele ouvir isso, me mandou para a Festa da Cana em Sonora-MS, ele falou para o Cabo da ROTAI, empresta uma farda para Eliane e vamos ver como ela se comporta lá na Festa da Cana, aí ele me emprestou uma farda.
Diário X – Como foi o seu primeiro contato com a farda camuflada na Festa da Cana?
Eliane - Eu fui toda me achando toda me sentindo a verdadeira mulher maravilha, não cabia dentro de mim tanto orgulho. No meio da festa tinha um casalzinho dançando na minha frente, e eu me achando a super poderosa daqui a pouco ouço uma gritaria e as pessoas se afastaram, tinha um cara caído no chão cheio de sangue para todo lado, era o casalzinho que estava o tempo inteiro dançando ali perto da gente por causa de ciúmes, um menino brigou com outro e foi em casa buscar uma faca e acertou no meio do peito do outro, na época não tinha bombeiro, nem SAMU, então colocamos ele na viatura para levá-lo ao hospital, mas o menino chegou morto. Nesse dia, eu sentei na calçada e liguei para o meu pai, nessas horas é sempre o meu pai que a gente liga, a minha mãe atendeu ao telefone e eu disse: eu quero falar com meu pai. Pai eu não quero mais, que adianta tá com essa farda camuflada e um menino morreu a 2 metros de mim eu não consegui evitar, eu não sirvo, não quero mais, não quero ser policial, não consegui evitar a morte de uma pessoa que tava dançando a noite inteira na minha frente e eu não consegui salvar. Aí o meu pai falou assim: vocês prenderam o autor do crime? Sim, prendemos. Você não é Deus para evitar a morte, seu serviço é prender o autor do crime, nem todo crime você vai conseguir evitar, mas sempre vai fazer o seu melhor. Nessa hora engoli o choro e falei: bora pra frente e a partir daí entrou no meu sangue. Mesmo que a gente sabe que é temporário, chega uma hora que você tem que voltar para o azulão, o azulão é a nossa segunda pele.
Diário X – Quando você viu que sua filha ia seguir sua profissão?
Eliane - Driele foi crescendo e eu conversava com ela sobre a importância do primeiro emprego, hoje eu acho que é fator determinante passar em um concurso. Infelizmente não era a faculdade da área que ela queria que sempre foi veterinária na época ela estava começando enfermagem na UFMS-Campus Coxim pelo fato que aqui não tinha o curso de veterinária. Ela estava cursando enfermagem e aí Deus abençoou. Em 2013 saiu o concurso para polícia militar e mesmo Driele nunca sendo muito fã da polícia, acho que por causa de todo sofrimento que a gente passou até ela prestar o concurso, ela conseguiu passar no concurso, entre 22 mil inscritos para 9 vagas femininas. Passamos algumas dificuldades no curso dela porque no exame de saúde saiu todo mundo com dois centímetros a menos, sua metragem saiu com apenas 1,58 e a Driele tem 1,60 redondo. Tivemos que entrar na justiça, foi aquela briga, até que nós conseguimos que fosse refeito a metragem por outro especialista da área. Comprovamos a altura dela e ganhamos a causa. Ter uma filha na polícia é muito maravilhoso, quem sabe um dia ela também seja da ROTAI.
“Porque tudo que diz respeito a minha filha, é a gente, nós somos quase que Alma Gêmea em tudo que a gente faz apesar de brigarmos muito também, não é só açúcar, tem o limão pelo meio também, não somos santas” (Cabo PM Eliane Dias da ROTAI/MS)
Diário X – As duas estavam juntas na Academia?
Eliane – Sim, nós fizemos na mesma época, ela entrou no curso para soldado e eu fui fazer o curso de Cabo. Eu fui primeiro em novembro, tivemos uma amiga, que foi um anjo enviado por Deus que já tinha alugado uma casa em frente ao Centro de Ensino e Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CEFAP) a menos de 50 metros. Ela começou o curso de soldado e o que foi um fator determinante, porque eu sempre morei aqui em Coxim e não conhecia muito bem a capital, já fui ao médico, fazer compras ou alguma coisa do gênero e volto sempre, por isso não conheço bem a capital, então o fato de morar em frente e aceitar dividir a casa comigo, isso foi uma benção. Logo após Driele também foi morar na casa da Giovana.
Diário X – Como foi comemorar o aniversário da Driele no CEFAP?
Eliane – É uma sensação diferente, éramos mãe e filha, é comum acontecer entre pai e filho. No dia do aniversário da Driele, o comando do CEFAP fez uma homenagem na formatura matinal, foi tudo muito bonito, muito emocionante, as pessoas procuram a gente para dizer que era um sonho, ver mãe e filha seguindo a mesma carreira na Polícia Militar.
Diário X – Como foi para você acompanhar o curso da sua filha?
Eliane – Foi bastante sofrido o curso para ela de aluno-soldado, é bastante desgastante, eu estava passando por um momento muito complicado na minha vida pessoal, por causa da separação recente e os meninos na época tinham 7 e 4 anos e nós duas em Campo Grande. Driele é meio que mãe das crianças também, então o sofrimento era de nós duas, mas mesmo assim eu fui acompanhar mais de perto, eu fui lavar roupa para ela, passar, cozinhar para diminuir um pouco o sofrimento que já é típico do curso de formação. Mas a equipe do CEFAP sempre deu apoio e a Giovana também foi um fator determinante na nossa vida nesse tempo, ela foi o anjo da guarda da Driele depois que eu vim embora.
Diário X – Como a super mãe acompanhou a designação da filha?
Eliane – A lotação era por atividade, mas na cavalaria estava precisando de pessoas, não tinha muitos voluntários, Driele sempre quis mexer com o animais, pois queria ser veterinária, aí eu falei com o Coronel Adão, comandante do 5º BPM na época, ele adorou a ideia em dar um toque feminino na cavalaria. Deixou que ela ficasse na cavalaria por quase um ano. Quando o Coronel Ávalos assumiu o comando, resolveu trazer ela para a seção de Relações Públicas.
Diário X – Como é hoje a policial Eliane?
Eliane – Até hoje eu tenho que provar para as pessoas que eu sou capaz, isso acontece com a maior parte das mulheres que quer desenvolver uma função, que até pouco tempo atrás era considerada 100% masculino, então, a cada dia que eu vou assumir o serviço eu tenho que provar que eu sou capaz de fazer exatamente aquilo que um homem faz e da melhor maneira possível. Eu falo sempre para os colegas que a mulher é estrategista, a gente já teve algumas situações que a estratégia falou mais alto. Eu me lembro de um muro alto que meu colega quase morreu para conseguir pular, eu pensei e testei o portão, estava aberto, eu cheguei dentro da casa primeiro que ele, pois a inteligência se sobressai sobre a força.
“Colocar farda para mim é um ritual, eu não me lembro de ter colocado a farda com descaso, colocar farda é sempre um ritual seja ela de passeio, azul ou camuflada para mim é sempre um ritual e sempre ao terminar de pôr a farda, eu me olho no espelho e falo: meu Deus, muito obrigado!”
Diário X – Qual a mensagem que a senhora tem para as mães?
Eliane – Bom, eu tenho a dizer para as mães que existe um dizer entre os filhos, principalmente entre as filhas, que a mãe é a melhor amiga. Eu queria que a mãe fosse a melhor amiga, mas eu tenho um conselho para vocês mães, não seja a melhor amiga da sua filha, SEJA MÃE! Mãe é diferente, mãe é autoridade, mãe é proteção com pulso firme. Uma amiga nem sempre pode estar com você, mas mãe está sempre presente. Para as mães que estão passando por problemas com filhos, porque na maioria das vezes a mãe é separada do pai que não auxilia na educação do filho, eu quero dizer: não desista do seu filho, não é fácil, mas faça o que for necessário, para que ele siga um caminho dentro da sua autoridade de mãe. Não se preocupe em proibir. Não se preocupe com choro. O que eu costumo sempre dizer para os meus filhos é exatamente isso: “Eu não sou amiga, eu sou mãe, que é muito mais que uma amiga e eu não estou preocupada com que o meu filho pensa de mim, hoje eu quero saber o que ele vai pensar de mim amanhã, quando ele estiver formado e for uma pessoa de bem”.
“Eu acredito que a mãe deve manter seu filho embaixo das suas asas o maior tempo possível, até que ele aprenda a voar alto. Vai ser melhor do que você dar liberdade desde pequeno e ele nunca aprenda a voar com suas próprias asas, ficando sempre pulando igual à seriema em voos curtos”. (Cabo PM Eliane Dias da ROTAI/MS)