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Lutador deixa a cracolândia, volta aos treinos e reconquista antiga namorada

10 NOV 2017Por Youssef Nimer08h:03

Ainda no altar, o noivo reservou um dos abraços mais longos a um de seus padrinhos, seu mestre de jiu-jítsu.

Mais do que obedecer à formalidade do momento, o gesto representou a importância da parceria que ajudou o ex-morador da cracolândia do centro de São Paulo a abandonar o vício em crack em somente três meses.

No final de julho, o bicampeão mundial de jiu-jítsu Caio Almeida, 33, leu reportagem da Folha de S.Paulo sobre a história de William Medeiros, 30, então um ex-lutador que vivia havia quase três anos, entre idas e vindas, em meio aos usuários de crack da capital paulista.

Aquela reportagem não revelava o nome nem o rosto de William, um pedido dele à época, mas o mestre o reconheceu como um de seus ex-alunos e resolveu ajudá-lo. Ofereceu treinos em sua academia em Itaquera e alguns quimonos para que ele retomasse a rotina no tatame.

A readaptação longe das drogas, porém, não foi nada fácil. No dia marcado para William reiniciar os treinos, em uma manhã de sábado, ele nem sequer apareceu. "Colocamos a caixa com os quimonos que íamos dar a ele sobre o tatame e rezamos em volta", lembra o professor.

MACHUCADO

Dias depois, William apareceu com um machucado na cabeça e carregando um saco de lixo preto com as poucas roupas que ainda tinha. "Tinha apanhado durante uma das ações da polícia na cracolândia", lembra William, sem detalhar o que adiou sua volta aos treinos.

O incidente ocorreu cerca de um mês depois da ação policial que desmantelou a feira livre de drogas que operava a céu aberto no centro de São Paulo, sob o comando de uma facção criminosa.

Naquela noite em que chegou à academia, sem documentos e com um tênis sem as solas, comprado por R$ 2 no fluxo (como é conhecido o quarteirão no centro da cidade em que os usuários se concentram), William foi impedido de passar a noite em um hostel em Itaquera.

Uma tia havia depositado algumas diárias para evitar que ele voltasse para a cracolândia, mas a dona do estabelecimento disse que não podia aceitar "aquele tipo de pessoa", segundo ele relata.

Sem ter para onde ir, William foi acolhido por outros seis alunos de Caio que dividem uma casa de um cômodo a poucos metros da academia. "Alguns se opuseram e ficaram com medo, mas, com o tempo, criamos amizade", lembra Bruno Ramos, 21.

O reencontro com o mestre teve pouca conversa. "Disse para ele: 'Sem história triste. Põe o quimono e vamos treinar'", recorda Caio.

Três meses depois, o discípulo já conquistou seis medalhas. Duas delas, uma de prata e outra de ouro, foram entregues no pódio do campeonato paulista, organizado pela Federação Brasileira de Jiu-Jítsu. A vitória veio exatamente uma semana antes de ele se casar com a analista contábil Andréia Rodrigues, 36, no último sábado (4), no salão de uma igreja evangélica, também em Itaquera.

O primeiro ano de namoro havia sido interrompido quando William se entregou ao vício. Ela chegou a procurá-lo na cracolândia e resolveu retomar o contato quando viu, nas redes sociais, fotos dele em treinos na academia de Caio. "O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta", disse a noiva, citando uma passagem bíblica, antes de trocarem as alianças.

PESADELOS

O comportamento de William nas primeiras noites longe das ruas chegou a assustar os colegas de quarto. Eles lembram que William gritava e falava muito durante o sono e acordava com a camiseta ensopada de suor, um dos sintomas mais evidentes do processo de desintoxicação.

Os companheiros de tatame contam que se revezavam na tarefa de impedir que ele ficasse sozinho e sofresse uma recaída. "Ele pulou o muro e fugiu após uma briga. Ficamos preocupados achando que ele fosse voltar para a cracolândia, mas ele reapareceu um tempo depois, mais calmo", conta Max Moisés, 17.

Antes de ser acolhido por Caio, ele chegou a ficar uma semana internado na clínica São João de Deus, um dos endereços integrantes do programa anticrack da Prefeitura de São Paulo para reduzir o número de usuários no centro da cidade. "Fiquei uma semana e me mandaram embora porque não tinha sintomas de abstinência", diz William, que seguiu tratamento sugerido por médicos da clínica no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) e passou a frequentar o grupo de ajuda a dependentes de drogas na igreja onde se casou.

INTERNAÇÕES

Usuário de crack desde a adolescência, William conta que foi parar nas ruas após ter sido internado ao menos três vezes pela família. Na última, lembra a avó materna, Neuza de Castro, 69, chegou a tomar uma "vacina" contra a dependência química. "O médico disse que a injeção iria ajudar o tratamento em 70% e o resto era com ele. Infelizmente, ele caiu nos 30%."

Na cerimônia de casamento, a avó recusava os pedidos da família para se sentar.

Queria ficar em pé para não tirar os olhos do neto. Ela aplaudiu emocionada quando a filha, Gisele de Castro, 49, apareceu de surpresa para levar o filho até o altar.

Como mora nos EUA, a mãe do noivo tinha avisado que não conseguiria passagem a tempo da cerimônia, marcada com poucas semanas de antecedência. "Estou viajando há mais de 20 horas, mas tinha que vir", disse, nervosa, enquanto se escondia no lado de fora da igreja para não estragar a surpresa.

O reencontro entre mãe e filho, que não acontecia há um ano, quase mudou o cronograma da cerimônia. Mas William logo se recompôs da emoção, antes de se sentar diante do violoncelo para tocar o tema escolhido para a entrada da noiva. "Quase morri de susto", brincou.

Fonte: Folha Press

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