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Entrevistas

A internet hoje é coberta de ódio

11 SET 2017Por Valdeir Simão e Youssef Nimer10h:39

Especialista em cultura digital, a pesquisadora Whitney Phillips, da Mercer University, dos Estados Unidos, acredita que a disseminação da raiva, das provocações e dos ataques pessoais nas redes sociais não é um fenômeno da internet, mas um comportamento da vida real se manifestando em outra plataforma. Esse novo olhar sobre os “trolls” (como são chamadas as pessoas que entram em discussões on-line apenas para irritar e ofender) e os “haters” (que sistematicamente expõem ódio em posts e comentários) está presente em seus livros “This is Why We Can´t Have Nice Things” (“É Por Isso Que Não Podemos Ter Coisas Boas”, nome inspirado em um “meme”), de 2015, e “The Ambivalent Internet” (“A Internet Ambivalente”), lançado em junho. Nesta entrevista, ela fala sobre como sentimentos ruins se disseminam rapidamente no meio digital, como o argumento da liberdade de expressão pode levar a atos de preconceito, caso dos confrontos em Charlottesville, semanas atrás, e diz que, pesar dos problemas que gera, a internet pode ser um lugar de ajuda e apoio mútuo.

Grupos extremistas se manifestaram em Charlottesville evocando o racismo sob o argumento da liberdade de expressão. Isso seria possível sem o uso das redes sociais?

Nos Estados Unidos, esse argumento é usado de uma forma corriqueira para se referir ao conceito geral de que as pessoas devem ter permissão para dizer o que quiserem nas redes sociais sem qualquer interferência. O problema é que, quando se usa o conceito de liberdade de expressão para justificar o racismo, muitas vezes se ignora o fato de que a expressão racista realmente cria menos pluralidade, porque tende a silenciar os grupos que estão sendo alvo. Então, ironicamente, a maneira de garantir que mais pessoas se expressem é se voltando contra quem silencia os outros ou cria uma atmosfera de violência e hostilidade.

Como vê a organização de grupos de ódio na internet?

O perigo é que o fanatismo violento se espalha mais e mais rápido. No entanto, a ameaça real não reside na forma como esses grupos usam as redes sociais, mas o fato de que eles existem, em primeiro lugar. Ódio é ódio, seja ele on-line ou off-line. O que Charlottesville revelou é como o ódio on-line está profundamente conectado com o off-line — que eles se alimentam um do outro.

Há estudos que dizem que postagens raivosas se disseminam mais rápido pelas redes sociais. Por quê?

A raiva é viral. É mais fácil para as pessoas, mesmo na vida off-line, ficar com raiva do que admitir que está ofendida. Então a pessoa começa a gritar em vez de dizer que está incomodada. É assim na internet porque é o sentimento mais fácil de se experimentar. A tristeza dói mais do que a raiva. Mas acho que pensar sobre isso é um esforço ainda válido. Não acredito que a internet vai se tornar uma utopia, mas há maneiras de torná-la um espaço mais acessível, com mais vozes representadas e respeitadas. É válido aspirar a isso por que, de outro modo, qual a alternativa?

Charlottesville revelou como o ódio on-line está conectado ao ódio off-line. Eles se alimentam um do outro

Por que há tanta raiva na internet?

Todos os aspectos do comportamento humano se manifestam on-line. Mas há algumas razões que explicam o porquê de o ato de ofender ser particularmente comum na internet. Uma delas é o risco social reduzido. Se você ofender alguém nas redes sociais, a pessoa não pode revidar com um soco. Então, você pode fazer coisas na internet que não poderia fora dela porque teria mais consequências negativas. Tem o lado bom e o ruim: você pode falar honestamente, explorar aspectos da sexualidade, conversar sobre assuntos que não tem coragem. Mas também pode ser mais ofensivo do que é na vida real. Precisamos olhar para as tecnologias e pensar como elas fabricam esses comportamentos, mas não se pode dizer que o ódio só existe virtualmente. Racismo, homofobia e machismo são temas off-line. São questões culturais, mas que, na internet, são mais perceptíveis.

Quais os assuntos que geram debates mais inflamados?

Acho que são os que envolvem a noção de cada pessoa sobre justiça. Quem é tratado com justiça e quem não é? As pessoas estão sendo excluídas por causa da cor de sua pele? Por causa de sua identidade de gênero? Acho que agora há uma grande questão sobre justiça social. E acho que essa é a raiz de todas as outras questões controversas.

Há ideologias mais preponderantes que outras?

Não necessariamente. Quando você vê os nacionalistas que apoiaram Donald Trump, há uma tentativa de antagonizar as pessoas que não precisa tomar nenhuma forma, significa só que você tem a intenção de deixar alguém bravo. Pessoas de diferentes posições no espectro político também podem ter uma mentalidade muito rígida, a cabeça fechada. E o pensamento extremista não resulta em conversas expressivas. Se alguém só quer tirar alguém do sério, eles vão para os pontos óbvios. Qualquer um pode ter um comportamento agressivo.

Você diz que o comportamento do chamado “troll”, a pessoa que provoca e que ofende deliberadamente os outros na internet, explica nossa cultura. Por quê?

É muito fácil classificar essa situação com um pensamento do tipo “nós versus eles”. Dizer que as pessoas que fazem comentários ofensivos são maus, mas os outros são bons. Se fosse assim, nós só precisaríamos nos preocupar com os caras maus. Mas uma das coisas que falo no meu livro é que essa é uma suposição complicada porque mesmo os caras bons frequentemente fazem coisas parecidas ao que os “trolls” fazem. Então, o que é um bom comportamento? O que é um mau comportamento? Você começa a ver que a raiz dos “trolls” está em vários lugares da vida real: ao privilegiar a racionalidade sobre as emoções, ao atacar alguém que seja muito sensível ou ao acreditar que você pode fazer o que quiser e não precisa enfrentar as consequências.

Então somos ensinados a nos comportar assim?

Sim. Aprendemos que quanto mais desagradáveis e chocantes formos, mais atenção teremos. Todas essas ideias sustentam a filosofia ocidental. Esse comportamento que é manifestado na internet, na verdade, como somos ensinados a argumentar. É assim que uma faculdade ensina um jovem a discutir. E achamos isso normal. Por exemplo, ideias machistas de papeis de gênero são reforçadas na imprensa, na publicidade, e entendemos que é normal. Mesmo que não aceitemos, estamos acostumados. O que os “trolls” fazem é um problema grave, mas quando acontece na vida real, no cotidiano, nós não ficamos chateados da mesma maneira como reagimos quando é pela internet.

E por que julgamos de maneiras diferentes?

Quando uma pessoa fala algo preconceituoso na internet, você olha para aquilo e claramente é culpa daquela pessoa. Mas em outros níveis, quando acontece na nossa vida, vemos a mesma posição com ares de normalidade, não constestamos. Esse comportamento tem uma função reveladora quando nos faz questionar por que, no geral, aceitamos algumas posições mas, na internet, não. Por exemplo, por que somos tão tolerantes com o machismo na mídia? Não é exatamente o mesmo comportamento, mas está no mesmo espectro.

 Umberto Eco disse que as redes sociais deram o direito à palavra a uma legião de imbecis que, antes, só falavam no bar, sem causar danos à coletividade. Concorda?

Concordo, mas adicionaria que a internet também permite que pessoas vulneráveis se expressem. Falo disso no meu segundo livro. Usamos o termo “ambivalente”, de raiz latina, que significa uma forte tensão entre opostos. Esse é o momento da internet atualmente. Envolve os piores elementos culturais que você pode imaginar, como racismo, misoginia, tudo que é violento. Ao mesmo tempo, dá espaço e plataformas a pessoas que se opõem a essas atitudes. As piores notícias são as que se espalham mais rapidamente. As pessoas clicam mais nos títulos negativos. O horror é visto com mais rapidez do que as coisas boas. Mas elementos positivos das relações têm espaço on-line e há maneiras de cultivá-los.

Mas por que temos a impressão de que o ódio predomina na internet?

Quando você vai na parte dos comentários de uma notícia, há muito ataque. Somente 1% das pessoas que lêem um artigo, uma reportagem, se manifestam sobre ela. E a maioria é motivada por emoções negativas. Quem não vai atacar prefere não falar. Sou 100% a favor da liberdade de expressão, mas se só as pessoas com mais raiva falam, sem nenhuma moderação, podemos chamar de liberdade de expressão? Não. É o contrário, porque, como eu já disse, haverá menos pessoas contribuindo para a discussão. É preciso criar ambientes em que todos se sintam livres. Moderar os piores comentários. Se mais pessoas sentissem que têm poder e apoio para se expressarem positivamente, mais gente agiria assim, postando comentários educados.

Seria o caso de controlar a raiva?

A raiva é importante mas depende do objeto do sentimento. Há diferença entre alguém que tem raiva do racismo e um racista raivoso, que acredita que pessoas negras não deveriam existir. Um deles se baseia na ideia de que o mundo não deveria ser assim. O outro não gosta de quem não é como ele. O movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos é baseado em uma raiva legítima, pois pessoas negras são mais feridas pela polícia por causa da cor de sua pele. Não é aceitável, não tem justificativa. Então tem essa tensão. E a raiva, nesse caso, é o que faz as pessoas terem ações políticas, motivando movimentos sociais. Mas como se lida com os diferentes discursos? Visões contrastantes são importantes para a democracia, mas também pode ser ruins. Não há uma solução simples.

O movimento Black Lives Matter é baseado em uma raiva legítima, pois pessoas negras são mais feridas pela polícia

Como incentivar a gentileza na internet?

É importante reconhecer que mesmo que você não queira atacar as pessoas conscientemente, pela internet é muito fácil ofender os outros sem saber. Há pessoas que fazem isso deliberadamente, mas meu argumento nos dois livros é que a distinção não é clara como gostaríamos. Todos nós temos o potencial de causar danos porque a internet nos prepara para repudiar os outros, não ver suas vidas. Nossa visão on-line é limitada, e o primeiro passo é perceber isso. O segundo é assumir responsabilidades. As pessoas deveriam parar alguns segundos antes de postar algo e se perguntar: “Como eu me sentiria se alguém fizesse ou falasse isso para mim?”. Pensar no impacto e lembrar que todos no ambiente on-line também são pessoas, têm sentimentos. Em vez de falar algo desagradável, por que não falar algo gentil, que você gostaria de ouvir? Por que não chamar a atenção para algo positivo? Não sou inocente a ponto de pensar que o preconceito vai sumir, que só de ser gentil isso vai acabar. Mas devemos encorajar as pessoas a se expressarem com empatia. A internet hoje é coberta de ódio e isso não contribui para um diálogo significativo.

Fonte: Istoé

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