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Brasil

Natura é a empresa mais sustentável do ano

Para Natura, a sustentabilidade tornou-se parte indissociável do negócio — um princípio que a levou a desbravar fronteiras na Amazônia há quase 20 anos.

20 NOV 2017Por Redação09h:50

Uma estratégia feita para durar

Até meados da década de 90, a paisagem da zona rural de Abaetetuba, no nordeste do Pará, era tomada por pastagens degradadas. O cenário resultava das queimadas entre as safras de cana-de-açúcar e outras lavouras de ciclo curto que dominaram a região por anos. Nos últimos cinco anos, porém, nenhum foco de incêndio foi registrado nessa região. O fortalecimento da demanda por alimentos feitos com açaí tornou o desmatamento um mau negócio na última década. Mas não só. Espécies como a andiroba, o murumuru e a ucuuba — até então cortadas para a venda de madeira — também passaram a ter um valor de mercado inédito para os produtores locais. A razão: os óleos e as manteigas extraídos dos frutos e das sementes dessas árvores. Para ganhar dinheiro, foi preciso conservar o que estava de pé — e começar a reflorestar o que havia sido derrubado.

Boa parte da matéria-prima extraída ali vai para as linhas de produção da fabricante de cosméticos Natura, que havia quase uma década estudava as características dessas espécies em busca de fragrâncias e ativos hidratantes para a pele e para os cabelos. Centenas de famílias de fruticultores de Abaetetuba são fornecedoras da companhia desde 2006. “Entrar nesse mercado nos deu mais segurança financeira e profissionalizou nossa gestão”, afirma Raimundo Brito, presidente da Coperfruta, cooperativa parceira da Natura no Pará. Para algumas dessas famílias, a renda anual mais que dobrou — de 12.000 para 28.000 reais.

Hoje, a Coperfruta tem uma usina própria de beneficiamento de óleos e manteigas, resultado de um investimento direto da Natura em 2008. A estrutura viabilizou uma produção diária de 300 quilos, capacidade de processamento quase quatro vezes maior do que a registrada quando esses agricultores viviam somente da produção de açaí. O salto de produtividade, alcançado no ano passado, mira atender uma demanda nova, posta também pela Natura: o óleo de patauá, fruto do patauazeiro, palmeira amazônica que chega a 25 metros de altura e demora até 15 anos para frutificar por completo.

Mais conhecido como azeite amazônico, o ingrediente é tradicionalmente usado para cozinhar e está espalhado por várias partes do bioma, das margens do Rio Tocantins às imediações da Reserva Extrativista Chico Mendes, no sul do Acre. Foi lá que, em 2007, com base em depoimentos de mulheres que usavam o óleo para tratar os cabelos, que os pesquisadores da Natura começaram a investigar as propriedades da substância. Em setembro deste ano, ele foi incorporado ao portfólio de produtos para cabelos. O sucesso da linha superou a expectativa — e a safra deste ano não dará conta da demanda.

Tal descompasso entre o ritmo de lançamento de produtos e o volume necessário para atender clientes seria motivo de preocupação para muitas empresas. Não é assim no caso da Natura. A companhia define regras claras de exploração para seus fornecedores. Elas levam em conta os diferentes ciclos da biodiversidade — e, com base neles, limites são estabelecidos para garantir a disponibilidade da matéria-prima no longo prazo. É o caso da colheita da ucuuba, árvore sob risco de extinção. Só 60% das sementes podem ser recolhidas. O restante é deixado para que os animais espalhem naturalmente. “Quando todo mundo falava em just in time, partimos para o season in time”, afirma Pedro Passos, um dos três sócios-fundadores da Natura, em referência à complexidade do modelo de negócios, dependente da sazonalidade da matéria-prima

A inserção na floresta amazônica começou nos anos 2000 com o lançamento da linha Ekos. Na época, a compra de óleos e manteigas de castanha e andiroba de quatro comunidades extrativistas era indireta. Por meio de compradores intermediários, a empresa acabava se blindando da desorganização das cooperativas. A dificuldade dos ribeirinhos de produzir em ciclos bem delimitados e de cumprir contratos era agravada pela rotina de desmatamento ilegal, que na época atingiu seu ápice histórico no bioma. A definição do preço das matérias-primas também era um impasse, já que não havia padrões claros para o uso industrial daquelas substâncias — nem para estabelecer um preço para o acesso das empresas ao conhecimento tradicional dessas comunidades, comumente carentes de serviços básicos. “Percebemos que era preciso ter um canal direto com essas pessoas para entender melhor a floresta, profissionalizar as cadeias produtivas e ter impacto social positivo”, afirma João Paulo Ferreira, presidente da Natura.

A opção pelo relacionamento estreito dá mais trabalho, sem dúvida. Mas também compensa. Nos últimos seis anos, desde que iniciou a empreitada de formar fornecedores locais, a Natura movimentou 1,1 bilhão de reais na região amazônica, um dos fatores decisivos para que fosse apontada como A Empresa Sustentável do Ano pelo Guia EXAME de Sustentabilidade 2017. É inédito, nos dez anos em que o guia escolhe a melhor entre as melhores, que uma companhia leve o prêmio pela segunda vez. No caso da Natura, a soma de investimentos na Amazônia inclui a ampliação da capacidade produtiva das comunidades, pesquisas sobre a biodiversidade local, a reforma de escolas rurais, a compra das matérias-primas e a construção de uma fábrica no Pará, a primeira fora de São Paulo.

Hoje, 375 pessoas dedicam-se diretamente ao tema nas -áreas de sustentabilidade, suprimentos, inovação e produção industrial, sobretudo na gerência de relacionamento e abastecimento da sociobiodiversidade, constituída especialmente para isso em 2012. A partir de uma pequena rede de quatro comunidades, a Natura ampliou seu alcance para 28 municípios — um total de 2.841 famílias e mais de 8.000 pessoas nos estados de Amazonas, Amapá, Rondônia, Pará e Maranhão (veja quadro ao lado). Boa parte da matéria-prima é processada no Ecoparque, área de 173 hectares construída em 2014 às margens da rodovia PA-391, no município de Benevides, para funcionar como um condomínio de empresas que, em simbiose, poderão aproveitar resíduos industriais entre si, num ciclo fechado.

Até agora, apenas a Natura e a alemã Symrise, fabricante de fragrâncias, estão instaladas, ainda que a região seja fornecedora de 25 empresas que processam ingredientes naturais. Nos últimos três anos, a Natura transferiu para Benevides 80% de sua produção de sabonetes e 98% da mão de obra empregada é local. “Desfizemos a ideia de que a floresta é apenas fonte de recursos e de que a riqueza deve ser processada fora dela”, diz Luciana Villa Nova, gerente de sustentabilidade da Natura. Hoje, 20% de todos os insumos comprados pela Natura vêm da Amazônia. A meta é chegar a 2020 com uma fatia de 30% a partir da produção de 10 000 famílias. “A Natura não vai mudar a economia da Amazônia sozinha, mas está mostrando um caminho”, afirma Carlos Nobre, climatologista e conselheiro independente da Natura para a região.

Parte relevante dos avanços da Natura na seara da sustentabilidade ocorreu nos últimos dois anos — período nada fácil para o país. Nem, claro, para a empresa. O mercado de cosméticos encolheu pela primeira vez em 2016. Nesse período, a anglo-holandesa Unilever assumiu a liderança do setor. A Natura precisou repensar o modelo de negócios, até pouco tempo exclusivamente baseado na venda direta. Hoje existe também uma rede de lojas físicas e houve um incentivo às vendas online. Os resultados começam a aparecer. A receita líquida da Natura registrou alta de 10,6% no terceiro trimestre, em comparação com o mesmo período do ano passado. O lucro líquido foi 136,8% maior do que no terceiro trimestre de 2016, chegando a 166,7 milhões de reais.

A compra da britânica The Body Shop, em julho deste ano, por 1 bilhão de euros, reforçou o objetivo de ampliar os canais de venda, além de avançar na presença global. A aquisição também tem um aspecto quase filosófico. Assim como a Natura, a The Body Shop sempre investiu na sustentabilidade como parte indissociável de seu negócio. “É nisso que acreditamos, é nossa razão de ser”, afirma Luiz Seabra, fundador e copresidente do conselho de administração da Natura.

Ao mesmo tempo em que acelerou novas frentes de negócios, a companhia deu força para seus indicadores de sustentabilidade. Um dos exemplos é o esforço para medir seu impacto para além do fluxo de renda das comunidades fornecedoras. Faltava à empresa métricas que revelassem se isso estava, de fato, promovendo transformações sociais nos territórios em que atuava. Para dar conta disso, em 2015 a Natura escolheu um conjunto de famílias moradoras da região do médio Juruá, às margens do Rio Juruá, no Amazonas, para fazer uma medição.

A companhia aplicou ali, com base em pesquisas de campo, o Índice de Progresso Social, metodologia criada pelo economista americano Michael Porter como alternativa aos indicadores exclusivamente baseados em dinheiro, como o PIB. O levantamento revelou que apenas 5% das casas da área tinham banheiro conectado à rede de água e esgoto — e que só um terço dos moradores com mais de 18 anos havia completado o ensino fundamental. De lá para cá, a rede de saneamento básico foi concluída e uma escola de ensino médio e técnico foi erguida. A meta é estender o levantamento às demais áreas em que atua.

A compra de insumos para suas fábricas não é a única preocupação da Natura em relação à sustentabilidade. É algo que está presente nas decisões mais corriqueiras, como a escolha dos móveis de madeira 100% certificada que decoram a nova sede da companhia em São Paulo, inaugurada há dois meses. E em outros dilemas do negócio. Todos os perfumes da companhia levam álcool orgânico. O descarte das embalagens também se tornou outra preocupação constante. A empresa foi pioneira no setor de cosméticos ao colocar no mercado refis de seus produtos ainda nos anos 80. Em 2010, começou a substituir o polietileno convencional, substância presente na maioria dos plásticos, por polietileno verde, feito com cana-de-açúcar, fonte renovável e menos danosa ao meio ambiente.

Em 2013, lançou a linha Sou para cabelos e pele com embalagens flexíveis e 70% menos volume de plástico — ainda que seja confeccionada por um conjunto de materiais de difícil separação. O objetivo é que a quantidade de matéria reciclada nas embalagens chegue a 10% nos próximos três anos. Em 2017, os produtos Ekos foram envasados e embalados com base no reaproveitamento de 6 milhões de garrafas PET e 48 toneladas de papel. “Não existe embalagem com impacto positivo para o meio ambiente, mas há como minimizá-lo”, afirma Keyvan Macedo, gerente de sustentabilidade da Natura.

Apesar de ter muito a fazer, os executivos da Natura sabem o impacto que teriam gerado se não tivessem trilhado esse caminho. E sabem mesmo, na ponta do lápis. Ao longo de 2014 e 2015, a empresa mapeou mais de 900 processos desde a extração de matérias-primas até a produção e a distribuição de mais de 2 500 produtos, com base no ano de 2013. Foi possível contabilizar o impacto provocado pela geração de resíduos sólidos, uso da terra, consumo de água e poluição do ar, entre outros aspectos. O resultado: suas operações custaram à sociedade 132 milhões de reais naquele período. A maior parcela de danos diz respeito às emissões de gases de efeito estufa. Se a Natura não tivesse implementado programas voltados para a redução da pegada de carbono, como a adoção do plástico verde e o uso do -álcool orgânico nas fórmulas, o estrago teria sido 24% maior. A Natura foi a primeira companhia a publicar dados desse tipo na América Latina — e a única de seu setor.

Bem antes de ter esses números à disposição, a Natura já mapeava suas oportunidades de corte de emissões. E uma diretriz foi estabelecida no combate à mudança climática há 20 anos: o que não pudesse ser reduzido deveria ser compensado. Foi a partir daí que a empresa, em 2007, neutralizou suas emissões de carbono. Tudo o que a companhia despeja na atmosfera é completamente neutralizado pela conservação ou pela recuperação de áreas de floresta das quais compra créditos de carbono. De lá para cá, a empresa ajudou a manter de pé 257 000 hectares de floresta em todo o país e diminuiu suas emissões em 33%. Para 2020, a meta é reduzir uma fatia semelhante. E mais do que poluir menos o planeta, a meta também significa dinheiro no bolso. Neste ano, o indicador de carbono terá um peso de 7% na parcela variável da remuneração dos funcionários. No ano passado, o bônus não foi pago integralmente. “Nossa obsessão é por este tipo de cultura: a cultura da sustentabilidade”, afirma João Paulo Ferreira.

Foto: Reprodução 

Fonte: Exame 

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