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Agronegócio

Mulheres assumem lavoura e fazem crescer produção de café especial no Paraná

19 DEZ 2017Por Redação/AV10h:34

O Norte Pioneiro do Paraná conquistou o título de terra do café há mais de um século. E essa história ganha um capítulo inédito com as mulheres da geração atual, que têm feito a produção de cafés especiais crescer na região: cerca de 20% do volume produzido, estima a Emater. Desde 2013, um grupo de 180 cafeicultoras de 11 municípios do Norte Pioneiro integra o projeto Mulheres do Café, iniciativa da Aliança Internacional das Mulheres no Café (IWCA, na sigla em inglês) em 22 países. Todas trabalham com agricultura familiar e têm o café como ganha-pão.

“Compramos microlotes a partir de 85 pontos [numa escala que vai de 0 a 100] e garantimos liquidez imediata. Pagamos de 20% a 30% a mais para os cafés que são colhidos e beneficiados por mulheres. E só pago para nota fiscal e conta no banco que estejam no nome dela, não na do marido”, explica José “Bispo”Rezende, que aponta a Austrália como o maior mercado interessado em cafés especiais com cadeia de produção feminina. Rezende é Q Grader e sócio-proprietário da exportadora Capricornio Coffees, que estima comercializar 40 mil sacas de café especial do Norte Pioneiro em 2017, em contraposição com as 150 sacas do ano anterior.

Em 2015, três mulheres orientadas pela Emater e integrantes da IWCA conquistaram o pódio do Concurso Café Qualidade do Paraná. Em 2016, duas. Em 2017, quatro das cinco finalistas eram integrantes do projeto. Em novembro deste ano, a IWCA e Emater promoveram o I Cup das Mulheres do Café do Norte Pioneiro para desafiá-las a inscreverem pelo menos um microlote de café especial. “Esperávamos 30 mulheres, mas houve uma explosão de interesse: 62 inscrições, cada uma com quatro ou cinco volumes”, surpreendeu-se Cíntia Lopes de Souza, extensionista da Emater em Pinhalão.

“Particularmente, eu não tinha provado nada parecido. Tem notas bem florais e acidez fosfórica, uma característica encontrada em cafés do Quênia. Arrematamos por um preço que talvez não seja o valor real do mercado, mas é importante para valorizar a bebida e mostrar à produtora que esse é o caminho para os próximos anos”, defende o Léo Moço, barista tricampeão brasileiro e proprietário da cafeteria Barista Coffee Bar em Curitiba e tricampeão brasileiro de barismo, que pagou R$ 3.800 por um nanolote de 28 quilos de cereja descascado, produzido por Ana Maria Garcia José em Figueira.

Moço trabalhou pela primeira vez com cafés produzidos por mulheres em 2012. “Chamamos de ‘Café da Moça’, e era uma bebida com notas de doce de milho, muito diferente”, relembra. No total, Moço comprou 188 quilos de café de cinco cafeicultoras da região de Ibaiti no I Cup das Mulheres do Café do Norte Pioneiro. Moço e a esposa Estela Cotes, barista premiada, participaram do leilão por telefone enquanto aguardavam em Frankfurt o voo para a Coreia do Sul, onde Moço disputou o concurso mundial de baristas. “Fizemos questão de participar do primeiro leilão de cafés produzidos por mulheres, até porque acompanhamos seu desenvolvimento ao longo destes anos. Temos um plano de lançar uma linha só com cafés produzidos por elas em 2018”, adianta Estela. Os microlotes arrematados no I Cup das Mulheres do Café do Norte Pioneiro estão no cardápio do Barista Coffee Bar e também serão vendidos em embalagens de 250 gramas a partir da segunda quinzena de dezembro.

“Quando abri minha cafeteria, em 2014, fui atrás de cafés especiais produzidos no Paraná, que ainda são poucos conhecidos. Eu quis crescer meu negócio ajudando os produtores de café a crescerem também. Se eles melhoram a qualidade do grão deles, melhora o meu trabalho e a classificação no ranking mundial de baristas”, projeta Moço.

A cafeteria Supernova Coffee, com duas unidades no Centro, comprou 274 quilos de nove cafés de diferentes cidades produtoras. Pela quantidade e variedade, os cafés entram no cardápio do Supernova ao longo dos meses. “São cafés equilibrados, com bastante doçura, notas de chocolate, caramelo e de frutas secas, como tâmara e ameixa seca”, descreve Luiz Melo, proprietário do Supernova. Dos nove cafés, três estão acima de 84 pontos.

O Moka Clube, que trabalha com cafés por assinatura, garantiu 30 quilos de um café de Tomazina com 90 pontos, a serem degustados e vendidos excepcionalmente aos sábados na sede da empresa, no Juvevê. “O café é da variedade catuaí vermelho, super delicado e doce. A torra precisou ser bem lenta no começo para encontrar as notas de pêssego e mel”, descreve Hugo Rocco, sócio do Moka. “É um café com características bem diferentes das do resto do Brasil. Se torrássemos como o de outros estados, perderia toda sua elegância”.

O Norte Pioneiro não começou a produzir café especial há quatro anos. A orientação de técnicos, compradores e baristas existiam, mas não era levada muito a sério. “Os homens estão à frente da maioria dos sítios e fazendas e não davam muito valor, porque queriam produzir quantidade e não ter tanto trabalho. Commodity sempre vende”, relembra Thais Machado Vidal, de Japira, representante do Norte Pioneiro na IWCA e a quarta geração de cafeicultores em sua família.

Com a comunicação facilitada por aplicativos como WhatsApp, as cafeicultoras podem tirar dúvidas em tempo real com os técnicos da Emater. “Elas escrevem comentando que choveu e perguntam se precisa deixar coberto, qual a espessura para espalhar o café no terreiro”, exemplifica Cíntia.

Munidas de informação e com apoio para assumirem uma postura de protagonismo, as mulheres passaram a tomar decisões sobre os cafezais, processos e negociação dos grãos especiais. “Este ano produzimos 220 sacas de café comum, que vendemos a R$ 420. E 30 sacas de café especial, a R$ 1 mil cada. Antes do projeto produzíamos só café commodity, umas 300 sacas por safra”, compara Josiane de Souza Diniz, de 28 anos.

Rezende prevê um estouro do café paranaense no Brasil nos próximos cinco anos. “A SCAA, a Associação Americana de Cafés Especiais, descreve o café do Norte Pioneiro como incógnito, porque a cada safra descobrem-se novos aromas e sabores incomuns. São cafés complexos que têm mais de um tipo de acidez na mesma bebida, como láctica e cítricos, ou frutas vermelhas e amarelas no mesmo café”, descreve.

Mudança no manejo e no comportamento

Josiane não sabe quando a história da família começou com o café, mas lembra que os bisavós de seus pais já trabalhavam com cafeicultura. Quando entrou no projeto Mulheres do Paraná foi que os 20 mil pés de café da família produziram grãos especiais pela primeira vez.  Além do apoio técnico e psicológico, as mulheres têm a oportunidade de participar de análises sensoriais para conhecerem o produto final de seu trabalho. “O café com que a gente é acostumado é amargo, tem até que enxaguar a boca. Quando você degusta o café especial, mesmo sem açúcar, a bebida é doce. Lá em casa só tomamos do especial agora”, conta Josiane.

Das dificuldades enfrentadas, trocar a derrissa (puxar os ramos para baixo de maneira que todos os grãos de café caiam no chão) pela coleta manual, a secagem em terreno suspenso, que leva mais tempo e tem que ser revirado a cada uma hora, para que todos sequem por igual. Depois, a padronização, etapa inexistente para o café commodity: os grãos passam por uma peneira. Os que caem viram commodity. E uma de natureza cultural: tomar a frente nas decisões do cafezal. “Meu marido nunca me impediu de tomar a frente, mas eu percebi que foi difícil para a maioria dos maridos dar o braço a torcer”, diz Josiane.

Fonte: Gazeta do Povo 

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